sábado, setembro 02, 2006

Poema da Malta das Naus






















Lancei ao mar um madeiro,
Espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
Medi a altura do sol.

Deu-me o vento de feição,
Levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
Rebotalho de gibão.

Dormi no dorso das vagas,
Pasmei na orla das praias,
Arreneguei, roguei pragas,
Mordi peloiros e zagaias.

Chamusquei o pêlo hirsuto,
Tive o corpo em chagas vivas,
Estalaram-me as gengivas,
Apodreci de escorbuto.

Com a mão direita benzi-me,
Com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
Outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
Ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
Rompi as arcas e os odres.

Tremi no escuro da selva,
A lambique de suores.
Estendi na areia e na relva
Mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
A que outros chamaram seu,
Mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
Nas praias de Portugal.

António Gedeão

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